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Outros - Prosa



O Jantar
1

Nunca houve muitas mulheres como a Mariana. A uma beleza monarca juntava um corpo estelar e um sorriso com o mesmo fulgor; o cabelo liso, castanho, penteado para a esquerda e ligeiramente abaixo dos ombros, enquadrava um rosto quimérico, onde sobressaíam duas esmeraldas negras quase sempre meio tapadas, uma boca assimétrica que não escondia todos os dentes e um, minuciosamente pintado, pontilhado nas pálpebras inferiores; tinha outra característica que, não vou mentir, me excitava imenso. A mim e, não sei explicar porquê, a quase todos os homens: era bissexual. Morava no nosso prédio, pelo que nos cruzávamos várias vezes e confesso que já tinha fantasiado com ela enquanto fazia amor com a minha mulher. Porco! Dirão. No entanto, pergunto, que mal tinha maximizar o prazer da mulher que amo? Mas isso dava um texto só sobre o assunto e não foi esse o meu objetivo quando comecei esta história: passava apenas por contar um breve episódio. Dois, na realidade.

Estava casado com a Sofia há apenas nove anos e, apesar de no resto tudo estar perfeito, sexualmente as coisas tinham esfriado um pouco. Admito que grande parte da culpa era minha, já que ela era uma mulher muito atraente e muito ousada.

Há uns meses, eu e a Sofia entrámos no elevador e, já a porta se fechava, ouvimos passos apressados e uma voz jovem:

- Esperem! Eu subo com vocês!

2

A minha mão lançou-se automaticamente sobre a porta do elevador e quase não tive que fazer força para que não se fechasse. Com vários sacos de hipermercado em cada mão e com o ar cansado, mas alegre que a caracterizava, a Mariana entrava no elevador e com ela entrava um ténue, fresco e marítimo perfume, que certamente tinha alguma responsabilidade na sedução que emanava dela.

Vestia umas calças de ganga nitidamente novas, mas com um aspeto já gasto. Apertadas apenas o suficiente para lhe embelezar o que já era belo. Por cima de uma t-shirt lilás tinha um lenço que usava em volta do pescoço e cujas pontas lhe caíam para a frente, tapando cada uma delas uma pérola. Em conjunto com a indumentária, umas sapatilhas violeta da New Balance, completavam-lhe a imagem e davam-lhe um ar jovem e, para mim, muito sensual.

- Obrigada. – Disse-nos, com voz lenta e com um sorriso que preenchia todo o elevador. Também sorrimos, em resposta. Assim que a porta fechou, continuou:

- Já carregaram no vosso andar? Oitavo, não é? Eu carrego. Moro mesmo em baixo. – Concluiu, com um sorriso ligeiramente malicioso.

Colocou-se em bicos de pés, esticou o braço por cima da Sofia e, com o peito muito perto do rosto dela, carregou nos botões que nos levavam para os nossos andares. Tal como o prédio, também o elevador era antigo. A viagem foi lenta. Durante a subida foi óbvia a tensão entre os três. Tensão que, por vezes, um sorriso trapalhão disfarçava, mas que o silêncio aumentava e quase tornava palpável.

Chegados ao sétimo, a Mariana despediu-se de nós e saiu. Como se algo tivesse ficado esquecido, voltou-se para trás e, já do átrio, pediu-nos:

- Segurem a porta, se faz favor!

A Sofia pôs um pé a travar a porta e a Mariana prosseguiu:

- Estava a pensar: moramos aqui há mais de dois anos, temos idades semelhantes ou iguais e praticamente não nos conhecemos. Querem jantar em minha casa amanhã?

Era a primeira vez que me convidavam para jantar tendo, provavelmente, parte da comida nas mãos. Eu e a Sofia olhámo-nos, sorrimos e aceitámos o convite:

- Oito. – Disse, manifestamente agradada.

3

Faltava um quarto para as oito quando tocámos à campainha de casa dela. A Mariana abriu a porta velozmente e cumprimentou-nos com voz doce e serena. Os olhos sorriam-lhe com os lábios, tinha o cabelo ainda húmido e a tapar-lhe parte do rosto. Vestia um vestido curto, predominantemente grená, mas abrilhantado com minúsculas flores amarelas. O vestido era em algodão, apertava na frente – com, espaçados e poucos, botões de alto a baixo – e deixava-lhe destapadas as esbeltas, esguias e encantadoras pernas. Também nenhum tecido lhe tapava os ombros. Um triangular e destemido decote direcionava a visão. Alimentava a imaginação. Estimulava-a.

Estava descalça:

- Desculpem não estar totalmente pronta. Atrasei-me no trabalho.

- Estás ótima! – Atrevi-me. – Espero que gostes de tinto. Eu sei que é um lugar comum trazer o vinho, mas nós somos muito tradicionais. – Dei-lhe a garrafa e completei o gesto com um sorriso aberto e algo irónico.

- Adoro! Entrem! Sentem-se um pouco aí no sofá. Eu venho já, já!

Sentou-nos num imaculado sofá em pele branca, conversou um pouco connosco e saiu. Parecia dar, em vez de passos, pequenos e alegres pulos. Os pés descalços aumentavam-lhe a graciosidade e faziam do simples ato de andar uma sofisticada forma de dança – e de magnetismo:

- Vá. Vamos para a mesa! – Levou-nos até uma mesa retangular, coberta com uma toalha de linho e renda, impecavelmente posta. Em cada lugar havia dois pratos, em cerâmica – amarela um e azul o outro. Havia também três copos de diferentes tamanhos e formatos. Os talheres estavam ao redor dos pratos e brilhavam intensamente: certamente limpos e polidos há pouco tempo. Notava-se, na mesa, cuidado e gosto em receber.

No ar pairava um aroma a cominhos e cravinho. Deixava adivinhar comida indiana. Gastronomia que eu adorava.

A Mariana sentou-se em frente a nós e, durante todo o jantar, foram múltiplos os jogos e os sinais: mordia, com cuidado e insinuante suavidade, o lábio inferior; olhava-nos fixa e simpaticamente; subtilmente, afastava o cabelo com gestos sensuais.

Para entrada serviu apas com chutney de manga. De seguida perguntou-nos se gostávamos de sangue. Acrescentou que se não gostássemos havia carne assada. Dissemos que, em princípio, sim. Estava à espera de um caril qualquer, mas fui surpreendido com sarapatel e arroz branco. Deliciámo-nos os três. Terminado o prato principal e depois de alguma conversa, a Mariana levantou-se de novo:

- Não é tão doce como a Sofia, mas há sobremesa! – Um ténue e atraente sorriso acompanhava-lhe as palavras e, admito, em conjunto com elas, empolgava-me. Docemente, a Sofia retribuiu o sorriso e entusiasmou-me ainda mais.

A cozinha ficava atrás de mim e da Sofia. Quando voltou, a Mariana trazia um tabuleiro de madeira, pintado com motivos orientais e com pontas de fitas em cetim a cair das pegas laterais. Nele, trazia três pratos com uma fatia de bebinca e uma bola de gelado em cada um. Tinha muito espaço, mas fez questão de se inclinar sobre a Sofia para pousar a bandeja. O movimento fez o cabelo tapar-lhe parte do rosto e o decote alargar um pouco. Ela não se atrapalhou e sorriu-me quando reparou que eu a observava e tinha visto o decote abrir-se. Em vez de um qualquer gesto que o apertasse, ela inclinou-se ainda mais e alargou-o, sem lhe tocar e apenas o suficiente para eu poder adivinhar, deixou-o alargar-se apenas à medida do nosso ténue e falsamente envergonhado sorriso.

4

Ao endireitar-se comentou: - Que ombros maravilhosos, Sofia. – Colocou as mãos sobre eles e, rodando as palmas para cima, passeou-lhe as unhas entre os ombros e o pescoço. O gesto fez a Sofia fechar os olhos, sorrir prazerosamente e inclinar a cabeça para trás. A Mariana dobrou-se outra vez e sussurrou qualquer coisa que não ouvi, mas que fez a Sofia sorrir novamente. Segurou-lhe suavemente a cabeça e beijou-lhe, carinhosa e lentamente, os lábios. Afastou ligeiramente os dela e sorriu. A Sofia voltou a retribuir e eu sorria, entusiasmado, para todo o quadro.

A Mariana voltou a aprumar-se e manteve as carícias nos ombros e no pescoço da Sofia. A blusa preta e de alças que a Sofia tinha vestida, tal como a nossa anfitriã dissera, tornava os irresistíveis ombros dela numa maravilhosa e doce sobremesa. Subitamente, a Mariana, com um gesto seco e muito rápido, partiu o pescoço da Sofia. O choque paralisou-me e atirou-me para o silêncio - um silêncio que eu queria quebrar, mas não conseguia. A Mariana deixou a Sofia cair no chão, subiu para cima da mesa, gatinhou até mim e, com voz profunda, com a boca muito perto da minha, disse:

- Não querias comer a Maria? Agora podes fazê-lo sem culpa.

- Maria?

- Maria, Mariana. O meu nome importa? Ou o importante é o meu corpo e o que sou capaz de fazer com ele?

Tinha as pupilas vermelhas e os olhos afundados num semblante sem expressão, num rosto feito de pedra e muito enrugado. A saliva escorria-lhe pelos cantos da boca e o cabelo tinha-se-lhe transformado num viscoso caos de serpentes, aranhas e palha.

O meu corpo e o meu espírito iam alternando entre a excitação, a tristeza e o medo. Cada um tinha um momento de glória, até que o medo venceu. Levantei-me e corri para a porta. A meio da sala olhei para trás e vi que a Mariana continuava de gatas, em cima da mesa: a olhar para mim. Já perto, voltei a virar-me e, nua, o ser em que ela se transformara aguardava encostada à porta e, com a mesma voz profunda, quase me implorava sexo.

Travei a curta corrida e voltei à mesa. Intencionava pegar em qualquer coisa com que me defender.

Uma faca. Tentava agarrar uma, mas ela já estava atrás de mim e colocava a mão sobre a minha, impedindo-me de a levantar. Libertei a mão e lancei a cabeça para trás. Atingi-lhe o nariz e, pela humidade sentida, devo tê-lo partido. Nesse momento, ela voltava a pressionar-me a mão e, em simultâneo, pontapeava-me, várias vezes, nos gémeos. Agarrava-me no cabelo e puxava-me a cabeça para trás. Senti que me libertava o cabelo e rapidamente me voltei. Ato contínuo, espetei-lhe, no ventre despido, um garfo que tinha agarrado. A dor era-lhe silenciosa e misturava-se com a surpresa num rosto finalmente expressivo. Rodei, o pulso e o garfo, para um lado e para o outro. Pressionei-lho na ferida. Puxei-o para fora e voltei a enterrar-lho no ventre. Quase no mesmo sítio. Desta vez, com força suficiente para lhe sentir as vísceras. Abri-lhe uma ferida bastante larga. As entranhas expandiam-se-lhe pela abertura e disseminavam um cheiro ferroso pelo ar.

Aquilo em que a Mariana se transformara deixava cair algumas lágrimas de sangue e, dos cantos da boca, em vez de saliva, escorria agora um líquido negro. Cuspiu-me e manteve-se em silêncio. Como se fora um balão que o garfo furara, definhou na minha frente até desaparecer por completo e aparecer de novo no chão – vazia de tudo.

5

Enquanto telefonava para a polícia, as lágrimas no meu rosto eram materializações do meu desespero e, pelos incentivos à calma recebidos, transpareciam para o meu interlocutor. Foi-me pedido que saísse de casa e aguardasse a chegada da patrulha.

Desliguei e fiz o que me sugeriram: saí de casa e, no caso, também do prédio. Sentei-me ao lado da porta, encostado a uma parede rugosa. Estava de pernas encolhidas e com a cabeça entre os joelhos; como se aprisionasse os pensamentos. Não resultou. Quando os agentes chegaram, já eu chorava novamente:

- Senhor Martins?

- Sim. Sétimo C. A porta está aberta.

Fizeram-me mais algumas perguntas e subiram. Passados alguns minutos estavam de volta:

- Senhor Martins, temos que lhe pedir que nos acompanhe à esquadra.

- Claro, mas porquê?

- O que vimos não corresponde ao que nos disse. Devia haver duas mulheres mortas: uma de pescoço partido e outra com um ferimento no abdómen. Não vimos ninguém ferida. Só lá está uma mulher.

S.T.A.R.
1

Ainda mal esta história havia chegado aos meus ouvidos e já estava decidido a contá-la. Bastou-me ouvir os primeiros factos, os primeiros acontecimentos, para saber que não tinha direito a guardá-la e que ela deveria ser conhecida pelo maior número possível de pessoas. Creio que, em democracia, todas as histórias envolvendo o governo deveriam ser conhecidas pelo povo. Só assim decidir pela continuidade ou não poderá ser uma decisão totalmente consciente. Como deve ser qualquer decisão.

Enquanto ouvia o relato, na minha cabeça formulavam-se algumas questões para as quais pensamos ter uma resposta, até alguém ter argumentos válidos para as refutar: o que é a realidade? É mais importante o que sentimos ou a realidade? Apesar de, como se verá, a resposta à primeira pergunta não ser óbvia, o seu significado penso que é. A segunda pode levantar algumas dúvidas. Pedia-vos que imaginem isto: os vossos pés estavam a ferver, mas o vosso cérebro fazia com que os sentissem frios, impedindo-vos de dormir há três dias. Se o mais importante for a realidade, vamos pôr os pés ao fresco e continuar sem dormir. Se, por outro lado, o que sentimos for o mais importante, vamos aconchegar os pés e aquecê-los ainda mais, correndo o risco de os queimar. Nos dois casos, as consequências seriam graves e poderiam ser irreversíveis.

Os acontecimentos ocorreram em Portugal já neste século, numa altura em que os portugueses andavam demasiado preocupados com os orçamentos caseiros. Numa altura em que ninguém dava grande importância ao que se passava na casa ao lado. Talvez por isso tenham passado quase despercebidos.

2

Na cidade, naquela altura, já as noites costumavam ser mais silenciosas, mais claras e a pegarem-se mais ao corpo, mas até a iluminação pública tinha falhado. A rua e os jardins, iluminados apenas pela luz que sobrava ao interior das casas, provocavam até o mais corajoso.

Como era hábito, na primeira segunda-feira de cada mês, os quatro amigos jogavam King ao redor da mesa quadrada com tampo forrado a veludo verde que o Hugo só usava naquelas noites.

No exterior, o vento sibilava e feria os lábios a todos os que se atreviam enfrentá-lo. Varria, com violência, as folhas que repousavam na relva – levantava-as num remoinho e só as largava vários metros depois. Ouvia-se a chuva a chocar ferozmente contra o chão. Nem uma sombra se atrevia a passear. Treva imensa, só a espaços interrompida pela intensa claridade dos relâmpagos que, por vezes, rasgavam o céu e usavam as cercas vivas de murta, que separavam as casas e os jardins de cada uma, para projetar no solo figuras fantasmagóricas que pareciam mexer-se.

Dentro de casa, no entanto, o ambiente era bastante agradável. A sala, onde estavam a jogar, tinha uma lareira, que, apesar de ser quase Verão, o Hugo tinha acendido e que, para além de aquecer o ar, brincava com o próprio reflexo, libertando pequenos barcos luminosos que navegavam por toda a sala, embelezando-a. A escassa luz que a chuva permitia entrava por uma janela, desviando as coloridas e listradas cortinas, que a tingiam e usavam para fazer pinturas surrealistas por toda a sala.

Os amigos estavam a jogar a dinheiro e com um sistema de pontuação, inventado por eles, que permitia a cada um dos três derrotados não perder mais que vinte euros por noite. Eram todos jovens, licenciados e com trabalhos estáveis, mas intelectualmente muito exigentes. A noite da jogatana era mais para descomprimir e beber umas cervejas do que outra coisa. Menos para o Rui, que levava aquela noite muito a sério. Tanto que, certa vez, deixou de comemorar o aniversário de namoro para poder estar com os amigos. “Namoradas há muitas!”, dizia ele. Para o Rui havia mesmo. A pele e cabelo morenos, os caracóis meio desfeitos, os olhos águas-marinhas e a sublime habilidade para a sedução (e para a mentira – que ele usava com mestria) asseguravam-se disso.

A mesa de jogo estava no meio da sala e arrumada de tal forma que, qualquer um dos quatro, podia ver a escada com corrimão em ferro forjado que levava ao segundo andar, onde o Hugo tinha três quartos, um WC e uma outra porta, que despertava nos outros uma enorme curiosidade. Tinham sido instruídos a nunca abrir aquela porta e respeitavam isso sem grandes perguntas, mas não evitavam falar do tema entre eles. Tinham já criado as histórias mais inacreditáveis sobre o que estaria para lá daquela porta.

O Hugo dava a cada um dos quartos o nome de uma cor e toda a sua decoração andava à volta dessa cor. Havia o Quarto Lilás, o Quarto Azul e o Quarto Rosa; ao entrar em cada um deles, percebia-se imediatamente o porquê do nome. Como em tudo o resto, também nisso era uma pessoa organizada, meticulosa, focada e de extrema sensibilidade – tudo o que não envolvesse outras pessoas.

Para o Rui, o segredo da porta devia estar relacionado com sexo e, em redor disso, inventava as teorias mais obscuras que se podem imaginar. Algumas levavam mesmo os outros dois a pensar se o amigo não teria, ele próprio, um problema qualquer. Para o Pedro e para o Tiago era alguma coisa mais ligada ao plano social, para o qual o Hugo sempre revelara alguma inaptidão que ele disfarçava com uma extroversão, que quem o conhecia bem sabia que ele não tinha, mas na qual fingiam acreditar.

Uma partida de King é composta por vários jogos. Ainda estavam no terceiro jogo da primeira partida quando um súbito, ruidoso e arrepiante estrondo – algo que lhes pareceu um tiro ou uma explosão – sobressaltou, arrepiou e gelou os quatro amigos. Primeiro petrificaram e, logo de seguida, correram – atropelando-se como se fossem crianças a correr para uma carrinha de gelados, saltando cadeiras e tudo o que lhes fizesse frente –, acumularam-se imprudentemente a uma janela – que, com um veloz e forte safanão, o Hugo libertara da mesinha colocada por baixo – e espreitaram, a tentar perceber o que tinha acontecido.

3

Através do vidro envelhecido, que lhes turvava a visão, a noite e a chuva permitiram-lhes observar que para lá do muro de murta que rodeava o jardim e no alagado passeio do outro lado da estrada se encontrava um corpo, que não se percebia se era de homem ou de mulher. Caído e imóvel. Suscitava-lhes diversas interrogações e uma acima de todas: estaria morto?

De imediato, o Rui, quis ir à rua ver melhor o que se passava. Já iam para a porta, desprotegidos, esquecendo a chuva e o frio, esquecendo a tempestade que, sobre a noite, se abatera, quando o Tiago os travou:

- Pode ser perigoso!

- Porquê? – Perguntou, já impaciente, o Rui.

- Se tiver sido um tiro, quem o disparou pode ainda estar por aí.

- Claro! – Ironizou o Rui, continuando: - Estamos fartos de ouvir falar em agressores que ficam a garantir que ninguém ajuda as suas vítimas. Ganha juízo, Tiago. Aquela pessoa pode precisar de ajuda. Se quiseres fica, mas eu vou!

- Vá, vamos todos, mas já que parámos deixem-me só confirmar que tenho as chaves! – Rematou o Hugo, enquanto se apalpava até encontrar, num dos bolsos das calças, o barulho que procurava. Depois de confirmar que eram, mesmo, as chaves de casa continuou: - Vá, vamos! Vistam os fatos e entreguemo-nos a esta mui nobre tarefa! – Vestiu um oleado amarelo e fez um gesto com a mão, como se ordenasse aos amigos para o seguirem.

Subiu o capuz do oleado – o que lhe escondia a expressão –, abriu a porta e, para não deixar que o vento a escancarasse, teve que a segurar de imediato, com o peso do corpo a ajudar a força que os braços faziam. Sem largar a porta, repetiu o gesto com a mão e voltou a gritar, desta vez com a concorrência sonora do vento: - Vá! Vamos!

A porta aberta trazia e espalhava pela sala um cheiro a relva molhada. O aroma era denso, envolvia e escorria pelo mobiliário como um plasma verde e gelatinoso que tornava o ar mais difícil, mas mais leve. Os quatro amigos estavam concentrados no que os esperava e nem deram pelo cheiro que os cercava. O aroma aproveitou a distração para se espalhar ainda mais e estendia agora os vários braços por todos os recantos da sala.

4

Assim que saíram, a primeira coisa em que repararam foi que a relva tinha, muito rapidamente, apenas no tempo que mediou a ida à janela e a saída de casa, crescido imenso e que tinha agora mais de dois metros. Como não era a primeira vez que assistiam àquele fenómeno, não ficaram muito surpreendidos.

- Olhem ali! – Apontava o Tiago, enquanto os outros observavam a relva. Ao contrário dela, o que tinha acontecido ao caminho entre a porta de casa e o portão do jardim surpreendeu-os bastante. O caminho era desenhado no jardim por um conjunto de grandes pedras separadas por alguns centímetros de cascalho. O cascalho tinha desaparecido e as pedras estavam a flutuar sobre um enevoado e obscuro precipício sem fundo. Os quatro amigos voltaram a olhar a relva. Estava gigante. Se as pedras aguentassem o peso deles, o caminho era mesmo a única alternativa:

- Nem pensar! – Exclamava o Tiago.

- Não sejas menino! – Respondia-lhe o Rui, enquanto ia testando a segurança da primeira pedra com a ponta do pé. Deu um pequeno salto e aterrou na pedra testada:

- Já está! Agora eu passo à próxima e vocês seguem-me. Um a um. Sempre por pedras já pisadas.

Ainda o Rui estava na primeira pedra e recomeçou a chover. Se, para ele, a chuva era uma bênção, para o Tiago era um óbvio aviso. Discutiram um pouco, mas o Rui era dono de uma, quase perfeita, argumentação e os outros dois ficaram do lado dele.

Cada vez que o Rui pisava uma nova pedra, nos exatos momentos em que o fazia, acendia-se um relâmpago, ouvia-se um forte trovão e a chuva trocava de direção. A chuva tornava as pedras mais escorregadias e as suas constantes trocas de direção conferiam um grau de imprevisibilidade ao caminho que os quatro amigos não esperavam. O trajeto, normalmente feito em segundos, estava a demorar longos minutos.

Quase no fim do caminho, provavelmente por causa chuva, o Pedro, que ia logo depois do Rui, escorregou e só a força de braços permitiu que não caísse no abismo sem fim. O escorregão deixara-o agarrado à pedra onde estava e com os pés caídos para o negro desconhecido. Segurava-se apenas com uma das mãos. As rugas no rosto e os olhos cerrados denunciavam a força que o Pedro estava a fazer. Com balanços do corpo, tentava, sem sucesso, segurar-se também com a outra mão. Apesar da força que estava a fazer, ia escorregando, sentia-se cada vez mais fraco e cada vez mais perto de perder a resistência que o segurava.

Ao reparar que o amigo estava em dificuldades, o Rui não hesitou e saltou para trás, para a pedra onde o Pedro estava, literalmente, agarrado à vida. O Hugo imitou-o. O Tiago quis segui-los, mas já não havia espaço.

O Rui e o Hugo agarraram o Pedro pelos pulsos e ergueram-no. Ele desfez-se em agradecimentos. Agradeceu-lhes ainda a gaguejar, ofegante e, apesar da chuva e do vento, a transpirar: com gotas de suor a escorrerem-lhe da testa ao queixo, protegidas pelas abas do oleado.

Entretanto, a relva crescera e mudara de cor. Era agora de um negro sombrio que, opostamente ao seu rápido e desmesurado crescimento, impressionava e, de alguma forma, assustava os amigos, que, um a um – em silêncio e em sequência –, iam tocando no próximo e fazendo gestos com a cabeça, para que também ele visse o que acontecera.

O episódio da relva retirara-lhes alguma confiança, mas, mesmo assim, confortaram e incentivaram o amigo, retomando depois o caminho, mantendo a mesma ordem e sem precisarem de a discutir entre eles.

Conforme acabavam o percurso esperavam os que faltavam. Em conjunto, saíram pelo portão e, guardados pela noite e pelos oleados, com o vento e a chuva a escoltar-lhes os movimentos, pararam no passeio por longos segundos. Pensavam e perguntavam-se, em silêncio, se deveriam atravessar aquela estrada.

Atrás deles, no jardim, o caminho e a relva voltaram ao normal. Ao mesmo tempo, em frente a eles a rua, que ligava a estação do metropolitano ao velho palacete abandonado, transformava-se num rio cheio de rápidos e prováveis perigos. Felizmente, a poucos metros, havia uma ponte. Velha. Em corda e madeira. Faltavam algumas tábuas no tabuleiro, mas, com jeito, iria permitir-lhes chegar ao outro lado:

- Vamos! – Como que ordenava, decidido, o Rui.

- E se a ponte desaparecer? – Perguntava o Tiago, à procura de um bom motivo para não fazerem aquilo.

- Duvido que aconteça, mas se acontecer o rio também desaparece e damos uma queda de meio metro numa estrada. – Respondia o Rui que, mais uma vez, tomava a dianteira e entrava na ponte. Dava o exemplo aos amigos, segurando-se aos corrimãos de corda e testando cada tábua antes de avançar sobre ela.

Seguiam pela mesma ordem usada no caminho. Alguns segundos e poucos passos bastaram para que uma tábua se desfizesse sob os pés do Pedro e ele se visse, outra vez, numa difícil situação. Porquê eu de novo? – Pensou. Desta vez os amigos não tinham para onde saltar e não podiam ir em seu auxílio. Os três olhavam-no, com os pés quase a tocar na água, sentiam-se impotentes (o amigo estava a morrer lentamente em frente a eles e nada podiam) e, cada um deles, como se já se despedissem dele, recordava um momento vivido com o amigo.

Subitamente, o Rui ajoelhou-se na tábua onde estava, inclinou-se sobre a água e segurou num galho. Na superfície flutuava uma pequena ilha de ramos entrelaçados uns nos outros. O amontoado parecia respirar e ele aproveitou uma inspiração para agarrar um ramo, puxá-lo e, com isso, destruir toda a construção.

Rapidamente se levantou e disse ao Pedro:

- Faz disto alavanca, sobe e vem para esta tábua! Eu vou passar à seguinte!

Deu o ramo ao amigo e, logo que o sentiu agarrá-lo, mudou-se para a tábua seguinte. Logo se virou para melhor ir aferindo da situação do amigo. O Pedro, com o desespero a comandar-lhe a expressão e os movimentos, colocou o galho assente nas margens da ponte, apoiou-se nele e, fazendo força com os braços, elevou-se, equilibrou-se no ramo e saltou para a tábua que o Rui deixara livre. De novo, a voz trémula e as lágrimas se apoderaram dele enquanto agradecia aos amigos - em particular ao Rui.

Entre tábuas que partiam, desequilíbrios que a chuva ou o vento provocavam e os atrasos que do medo resultavam, demoraram algum tempo para atravessar a ponte. Assim que se viram os quatro do outro lado, correram em direção ao corpo que estava no chão e, entretanto, a estrada voltava ao normal.

5

Era um homem. Tinha cerca de quarenta anos e exibia um ferimento de bala; lateral e um pouco acima da anca. O homem não respirava. Pelo ferimento e pela forma como o corpo estava caído, teria sido atingido da estrada ou de algures desse lado. O Hugo reconheceu-o, mas não disse nada aos amigos.

Rodearam o corpo e, para melhor o observar, dobraram-se na sua direção. Vestia umas calças de fazenda pretas, uma camisa cinzenta clara e uma camisola de lã também cinzenta, mas escura. Tinha uma gabardine creme por cima, mas encontrava-se meio aberta e ele estava encharcado. A chuva e o vento tinham sido incapazes de limpar as calças por completo e podiam ver-se alguns fios verdes. Talvez por causa do tiro o ter lançado ao chão – onde a tempestade fazia dele o que queria –, o corpo jazia em desordenada composição: desfraldado e com os punhos da camisa à vista:

- De onde quer que tenha vindo, veio à pressa. – Observava e lamentava o Tiago. – Hugo, aproveita estar tudo normal e ter parado a chuva: vai a casa telefonar à polícia.

O Hugo seguiu a sugestão e já estava de volta quando a polícia chegou. Eram dois agentes e chegaram num carro patrulha sem qualquer luz intermitente ou sirene de emergência.

O Tiago dirigiu-se-lhes de imediato:

O Violino Que Tocava Cores

Havia um piano, uma harpa, instrumentos de sopro, violinos, chamas, proximidade e aconchego. Havia, sobretudo, muito amor. Deitados perto da lareira, juntavam ao calor o enlevo que lhes provinha da nudez.

As mãos dele. Fortes. Lentas. Poderiam dividir-lhe o corpo num só movimento. Aquecidas. Como lágrimas, desciam dos olhos aos pés e desenhavam quentes estradas de desejo. Cálidas e aveludadas. Arqueavam-lhe o corpo e arrepiavam-lho com chamas rugosas. Com toques invisíveis. Não pensavam e seguiam sempre os gemidos.

Tinham as pálpebras cerradas e o prazer preso entre elas. Estavam perdidos na floresta que o outro lhes era. Tão viva. Definição de cada movimento. De cada som. Os lábios lutavam. Os corpos derramavam carnalidade e, colados, também combatiam. Dançavam como serpentes.

Sorriam porque sim. E também porque não. Ignoravam tudo menos o outro. O corpo. Sentiam-se livres como as ervas que crescem nas margens dos rios e o fazem em qualquer direção. Os gestos como poemas. Dedicação; beleza. Arrepios frequentes e simultâneos.

A casa era toda em madeira e não tinha primeiro andar. Só havia aquela divisão. Poucos móveis. Pela cama e sofá estava a roupa e eles estavam no chão. No único sítio capaz de acolher a sofreguidão com que se despiram. Era já noite avançada. Pela única janela, entravam, muito magros, raros fios de lua e morriam mal se viam lá dentro. Apenas iluminava o casal os animais em chamas, libertados pelo fogo na lareira.

Ela era uma pantera. Felina. Olhos. Magnetismo vivo. Ele era um lobo de unhas afiadas. Caminhavam juntos. Não se sabe bem para onde. Ao caminho, no entanto, via-se e ouvia-se. Sentia-se-lhe o toque e a lentidão dos movimentos. Ora entrava, ora saía.

Diamantes cintilavam na pele húmida e deslizante, por ela oferecida ao amante. Raios finos e brilhantes. Lâminas afiadas por tudo que os unia. Sussurravam ao ouvido dele os desejos no corpo dela.

Agora estavam sentados: ele no chão, ela no colo dele. Entrelaçados, húmidos, troncos eretos. Harmoniosa e sensual desordem. Ele olhava, com ternura, para o corpo dela. Enterrava-lhe os dedos nas costas. Desenhava-lhe anseios e luxúria na pele. Deixava o furor orientar-lhe os gestos e explicava-lhe que a era tanto como era inevitável o tempo.

A música era colorida e pairava-lhes sobre a cabeça. Lembrou-o:

- Quero mostrar-te uma coisa.

Foi para mais perto da cama e, depois de lhe espreitar para baixo, enquanto arrastava uma velha caixa, soprava-lhe para a tampa. Pó. Uma nuvem.

Ela aproximava-se. Dizia-lhe baixinho e em voz rouca alguns palavrões afiados como sabres. Suplicava que continuassem. Sabia que aquelas palavras resultavam. Puxava-o. Tinha desejo escrito na nudez. Tinha volúpia escrita nos olhos e lascívia escrita nos lábios.

Ele era a vertigem, a terra, a claridade. O fôlego. Ela agarrava-lhe no braço e, de novo, tentava puxá-lo. Continuavam despidos. De gatas. Dois animais com anseios humanos: pantera; lobo. Ele libertou-se e da caixa retirou um estojo e, de dentro dele, um violino e o respetivo arco:

- Vê isto!

Punha o violino assente no ombro – como faziam os verdadeiros violinistas – e conforme roçava o arco nas cordas do instrumento, no lugar de música, projetavam-se serpentinas largas, gelatinosas e de várias cores. Quando viu todas aquelas pigmentações, ele fechava os olhos – como que a concentrar-se – e todas as serpentinas se transformavam num único cachecol de macia lã vermelha – ondulante. Envolvia-a e o terno toque do tecido fechava-lhe os olhos e abria-lhe um pouco a boca num ligeiro, suave e convidativo sorriso.

O vermelho, a maciez. Luxúria.

Primeiro, acarinhou-lhe o pescoço, depois cobriu-lhe os ombros, foi descendo e envolvendo-a lentamente. À vez, tapou-lhe as costas, o ventre e, por fim, as pernas. Ela, soltava um pequeno e quase impercetível gemido sempre que o cachecol lhe tocava uma parte diferente do corpo. Tinha os olhos fechados e tudo nela indiciava o prazer que sentia: o sorriso; a cabeça um pouco inclinada para trás; a pele arrepiada.

Todo aquele idílico cenário era subitamente interrompido por um seco bater à porta. Ele vestiu um roupão e foi abrir. Ele caminhava e ela escondia-se na cama. Ele, já junto à porta, confirmava tudo estar bem atrás dele e abriu-a.

M.

Este texto é de cariz sexual e só deve ser lido por maiores de 18 anos e por quem tiver uma mente aberta. Se sentir algum tipo de desconforto com isso ou se não tiver os 18 anos ou mais, por favor não o leia.
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Eu e a M. somos sexualmente muito ativos e aproveitamos todos os momentos para nos entregarmos um ao outro. Noutro dia fomos “praiar” e pelo caminho apanhámos uma enorme fila automóvel. Estar ali parado, para além de monótono, não fazia nada o nosso estilo:

- M., esta estrada só tem uma via e os carros da frente e de trás não conseguem ver nada. Deita a cabeça no meu colo e põe-me dentro da tua boca.

- Aqui? Deves pensar que

- Cala-te e faz o que mando! – Disse-lhe enquanto a puxava pelo cabelo para o meu colo.

- Sim, desculpa – Já no meu colo, abriu os meus calções, tirou-me já ereto e húmido do interior deles e pôs-me dentro da boca. Pensava que não era possível, mas quando senti o calor e a humidade da boca da M., ao ver o movimento de vai e vem da sua cabeça, cresci ainda mais. Desliguei o rádio para ouvir melhor os sons que fazia a chupar-me. Agarrei-lhe na cabeça pelo cabelo e ajudei ao movimento. Alternava essa “ajuda” com palmadas no rabo da M. e com autênticos apertões nas suas mamas.

Infelizmente a fila começou a andar e não acabamos o que começamos. Chegados, estacionei, confesso que já, ou ainda, a pensar no corpo da M.. Na areia, estendeu a toalha, despiu o vestido e revelou, dentro do biquíni, o maravilhoso corpo que me deixa totalmente louco:

- Vamos para a água! – Disse-lhe.

- Já?

- Sim, já!

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Na água, puxei-a para junto de mim, pus-lhe as mãos nos ombros, virei-a de costas e, disfarçadamente, apertei-lhe os mamilos:

- Rogério, estás a magoar-me.

- Quero lá saber. Põe as mãos nos meus calções, põe-me cá fora e dentro de ti.

- Agora?

- Já!

Ela, de imediato, pôs os braços para trás, mãos dentro dos meus calções, tocou-me e, como sentiu que eu já estava pronto, pô-lo fora dos calções e dentro dela:

- M., estou a dar em louco e não consigo fazer isto disfarçadamente. Consegues masturbar-me sem dar nas vistas?

- Acho que sim.

Tirou-me de dentro dela e virou-se. Agarrou-me e, para não dar nas vistas, masturbou-me fechando e abrindo a mão enquanto me dizia:

- Imagina que é a minha boca e que vais explodir nela. Vem-te, Rogério! Vem-te para mim! Vem-te!

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Não aguentei muito tempo e tive um brutal orgasmo. Um arrepio percorreu as minhas costas:

- Ai, M.. Deixas-me louco. Vira-te e encosta-te a mim. – Disse-lhe, ainda a tremer.

Ela fez o que mandei e encostou-se a mim. Costas no meu peito. Abracei-a e deixei que os meus dedos alternassem entre acariciar-lhe o clitóris e penetrá-la bem fundo. Deixei que encostasse a cabeça no meu ombro e sussurrei-lhe:

- Imagina que é outra parte de mim que te está a penetrar e vem-te na minha mão. Vem-te, querida.

Passados alguns segundos, senti, nos dedos, as paredes da vulva contrairem e ouvi a M. a reprimir um gemido:

- Foi tão bom, Rogério. Tão intenso.

Sorrimos.

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I.

Este texto é de cariz sexual e só deve ser lido por maiores de 18 anos e por quem tiver uma mente aberta. Se sentir algum tipo de desconforto com isso ou se não tiver os 18 anos ou mais, por favor não o leia.
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Eu e a I. fomos a nossa casa. Decidimos pedir comida e jantar por lá.

Devo ter algum fetiche com balcões de cozinha ou com fatos de treino. É impressionante o estado em que fico quando vejo a I. assim vestida a lavar a loiça. Se calhar o fetiche é com a I. A verdade é que fico louco de desejo.

Já durante o jantar a I. tinha-me enlouquecido fazendo algumas brincadeiras com a comida nos lábios. Nos dela e nos meus. Agarrou batatas fritas como se agarrasse em mim. Comeu como se me beijasse. Bebeu a mordiscar levemente a beira do copo como se fossem os meus lábios que mordia. Sempre com os olhos fixos nos meus. Provocava-me a cada pedaço. Desafiava-me. Quando falava arrastava a voz como que a gemer em vez de falar:

- Estás a deixar-me maluco. – Disse-lhe em tom de aviso.

- Porquê? – Respondeu e perguntou com o ar atrevido de quem sabe a resposta. Os dois carrapitos e o olhar sorridente intensificavam o ar afoito da I. e despertavam ainda mais a vontade que já tinha de fazer do corpo dela uma fonte cristalina onde eu pudesse mergulhar.

- Não sei. Estás bonita e a despertar o meu querer. Estás a estimular o meu sangue. Depois não te queixes.

- Queixar-me? Eu? – Respondeu com um provocante e falsamente tímido sorriso nos lábios.

Motivador.

Tínhamos lá ido para pintar a sala e já durante a tarde, sem saber e provavelmente sem querer, a I. tinha originado em mim um profundo anseio. O jantar estimulou-o e agora estava elevado a uma potência de infinito.

Mesmo que não queira, mesmo sem fazer nada por isso, a I. tem sobre mim um efeito arrepiante que não sei explicar, mas que me leva ao mais estimulante dos estados. Ao expoente máximo do apetite.

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Quando acabamos de jantar, vê-la ao balcão, em fato de treino, somado com o que já tinha acontecido durante a refeição, soltou e inflamou todas as hormonas do meu corpo. Ou, pelo menos, a parte que controla os impulsos e os ímpetos.

Sem grandes alaridos, levantei-me e aproximei-me dela. Envolvi-a nos meus braços:

- Essa água a correr está a dar-me uma ideia – murmurei-lhe com pequenos toques dos lábios no pescoço.

- Que ideia? – Perguntou com a voz que sobrava ao ofegante movimento do corpo.

- Vamos tomar duche juntos.

- A ideia agrada-me muito, mas e a digestão?

- Se formos já não é um problema. Tu é que és a médica: devias saber estas coisas.

- Engraçadinho. Tens certeza?

- Tenho.

- Está bem. Já me convenceste. – Disse com voz sorridente.

Já na casa de banho fiquei a observar a sensualidade com que a I. se despia e a forma sugestiva que ela tinha de se dobrar e temperar a água.

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Depois de entrar na banheira, a I. olhou-me com olhos brincalhões e convidativos e com um gesto dos ombros despidos perguntou-me se eu não ia. Confesso que estava paralisado com a sensualidade da sua nudez, mas lá me despi e juntei a ela.

Uma vez lá dentro, junto a ela e já com a água a cair-nos pelo corpo, as minhas mãos não paravam de explorar o brilho e a suavidade molhada da sua pele enquanto a beijava nos lábios. Êxtase. Total arrebatamento.

Com as mãos pedi-lhe que se virasse de costas para mim, que se dobrasse um pouco e que se equilibrasse com a ajuda da parede. Ela acedeu, virou-se e fez da parede uma almofada.

Por momentos, enquanto lhe puxava suavemente o cabelo e obrigava a que inclinasse a cabeça para trás, só os gemidos de ambos interrompiam o ritmado silêncio da água a cair e das nossas ancas a baterem uma na outra.

A I. interrompeu o movimento:

- Leva-me para o quarto. Leva-me para a cama.

Obedeci, peguei nela, levei-a para o quarto e deitei-a na cama: costas para baixo. Ela virou-se de imediato, deixando-me de joelhos entre as pernas dela. Eu, já consciente do desejo dela, coloquei-lhe as mãos na cintura e elevei-a ligeiramente até que ela estivesse ao meu nível.

Depois de algum tempo pediu-me que parasse:

- Espera!

- Que foi? ‘Tou a magoar-te? – Perguntei enquanto fazia o que me pedia.

- Não, não é nada disso.

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- Então? Que se passa?

- Apressadinho. Já vês.

Levantou-se e pegou numa almofada que largou junto da cama. Ajoelhou-se em cima dela e dobrou-se sobre a cama. Olhou para mim, sorriu apenas com os olhos e disse:

- Assim!

Posicionei-me atrás dela e fiz o que me pediu. Agarrei-lhe as ancas para me ajudar aos movimentos e fiz amor com ela. Primeiro lentamente e depois com a velocidade dos furacões. Depois novamente muito lentamente.

Ao fim de algum tempo, pouco, esticou os braços para trás, elevou-os, virou as palmas das mãos para cima e disse-me:

- Agarra-me!

Fiz o que pediu e agarrei-lhe as mãos. Elevei-lhas um pouco: só o suficiente para a forçar a esticar os braços. Confesso que estava totalmente louco. A visão da sua pele e o reflexo de prazer da sua cara nas portas espelhadas do roupeiro, que tínhamos do outro lado da cama, estavam a dar comigo em doido.

Agarrei-lhe o cabelo e forcei-lhe a cabeça para trás. Depois daquilo, rapidamente explodimos ambos num arrepio imensamente gemido.

 

Deixei-me pousar sobre as costas dela e o prazer que nos percorria adormeceu-nos ali mesmo – de joelhos.

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S.

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Eu e a S. somos ambos tetraplégicos. Ambos sofremos acidentes e estamos limitados. Duas coisas, no entanto e entre outras, não sofreram qualquer alteração: o sangue e o desejo. Como nada desejamos tão intensamente como aquilo que julgamos proibido, bastou um toque de mãos para querermos muito mais. Para desejarmos também o corpo. Assim que as mãos se tocaram, as vozes também o fizeram e o jardim onde estávamos encolheu na inversa proporção do nosso anseio. De voz trémula, ignorando quem nos acompanhava e lendo os olhos da S., perguntei:

- Qual é o teu livro preferido?

- Como sabes que gosto de ler?

- Disseram-me os teus olhos. Qual é?

- Trópico de Câncer do

- Henry Miller.

- Sim.

- Sabes que já foi adaptado ao cinema?

- Em 1970. Sei.

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Conversamos dois minutos e, algo que nunca me tinha acontecido, rapidamente me apaixonei. Inteligência. Cultura. Beleza. Tudo reunido. Ganhei coragem, muita, e perguntei-lhe se queria continuar a conversa em minha casa. Timidamente, baixou a cabeça, sorriu e, depois de breves segundos de silêncio, respondeu que sim.

A caminho de minha casa continuamos a falar de livros e cinema. Descobrimos que temos pouco em comum, mas, como diz o ditado, “os opostos atraem-se” e, pelo menos, eu sentia-me muito atraído.

Lá chegados, após a complicada operação que permitiu usarmos ambos o elevador, entramos e, depois de lhe mostrar a casa, fomos para a sala. Conversamos e rimos muito. Demos as mãos. Aproximámo-nos. O tempo passava demasiado depressa. Respirei fundo, olhei-a nos olhos e fiz uns segundos de silêncio:

- Queres que peça para nos levarem para o quarto?

- Sim, mas não achas esquisito?

- Bruno! – Gritei.

- Que foi? – Gritou o Bruno da cozinha.

- Venham cá!

Chegados à sala (o Bruno e a Paula – amiga da S.) pararam à porta e o Bruno perguntou:

- Que foi?

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- Levem-nos, se faz favor, para o quarto.

Sorriram e fizeram-nos a vontade. Para não constranger a S., já tinha pedido ao Bruno para, caso pedisse para ir para o quarto, nos deitarem na cama sem fazerem qualquer comentário. Foi o que fizeram e depois de eles saírem a S. disse-me:

- Um bocado estranho, não?

- Daqui a nada já nem te lembras.

Com a mão esquerda – a única que mexe – toquei-lhe ao de leve nos lábios, olhei-a nos olhos e sussurrei-lhe:

- Prometo que daqui a nada já nem te lembras.

Beijei-lhe os lábios e, depois de conhecer intimamente cada linha do seu corpo, murmurei-lhe:

- Gostava de elevar-te alguns sentidos. Posso vendar-te?

- Podes. – Respondeu, sem pensar muito, como se já esperasse a pergunta e tivesse uma resposta preparada.

- Também gostava de te tirar a camisola e prender-te as mãos atrás das costas.

- Nunca fiz nada parecido, mas podes fazê-lo se me prometeres que me soltas de imediato se te pedir.

- Claro que sim. Claro que prometo.

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Pensar que quase sem me conhecer tinha confiado em mim o suficiente fortalecia o meu desejo e aumentava a exaltação do momento. Amplificava-a.

Duma gaveta tirei uma venda e umas algemas. Despi-lhe o tronco por completo, algemei-a e vendei-a. Ver a S. seminua, vendada e indefesa excitou-me imenso e só pensava em beijar-lhe o corpo. Foi o que fiz.

Sei, por experiência própria, que o principal prazer trazido pela venda é o não sabermos o que vai acontecer a seguir. Por isso, sem lhe dar qualquer indicação, beijei-a de surpresa em várias partes do corpo. Peito. Ventre. Pernas. A cada beijo o arrepio e o gemido incentivavam o próximo.

Limitações impediam que entrasse na S., mas não impediam que o desejasse, que o imaginasse e que o sentisse. O pouco que conseguíamos, foi o suficiente para explodirmos num contorcer que me levou às lágrimas. Tirei-lhe a venda e disse-lhe:

- Provavelmente não será igual, mas temos que repetir.

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O que acha disto?